sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Aromas que vendem

Atuando diretamente sobre as emoções dos clientes, o marketing olfativo evoluiu e se transformou em importante ferramenta para o varejo

Não há quem resista ao cheiro de pão quentinho saído do forno ou de café coado na hora. Ou, ainda, não tenha boas lembranças ao sentir o perfume da terra molhada e da grama recém-cortada. Hoje, graças à evolução da tecnologia e à busca constante de diferenciais para produtos e marcas, esses e milhares de outros aromas podem ser reproduzidos artificialmente, transformando-se em um instrumento de marketing na disputa pela fidelidade do consumidor.

'Uma boa composição olfativa é capaz de atrair a atenção do cliente, podendo aumentar o tráfego no estabelecimento, a velocidade de visitação, o tempo de permanência dentro da loja, despertar a fome e até a libido', afirma Eduardo Caritá, dono da Croma Microencapsulados, fabricante de microcápsulas para aromatização de ambientes e mídias. Segundo o especialista, com a comunicação olfativa é possível devolver ao consumidor cheiros que ele deixou se sentir, seja por causa da poluição ambiental ou da adoção de embalagens a vácuo.

Diferentemente do que supõe a maioria, a aplicação das novas tecnologias olfativas não se restringe à indústria alimentícia ou cosmética. As montadoras de automóveis há tempos encomendam 'cheiros de carro novo' que atendam às expectativas de seus consumidores. Na Europa, o que agrada é basicamente a mistura de couro e tinta. Já no Brasil é a combinação de vinil, plástico e borracha. 'Cada vez mais a indústria, o varejo e os prestadores de serviço estão buscando um aroma próprio para fixar a imagem', avisa Caritá.

A Croma, que atende clientes como Amor aos Pedaços, Unilever, O Boticário, Natura e a Makro Atacadista, também invadiu o sambódromo carioca no último carnaval com 400 quilos de microcápsulas contendo óleo de casca de laranja, com o objetivo de promover o lançamento de um novo suco de fruta. Sem contar a parafernália adotada no show 'Quatro Estações', da dupla Sandy & Júnior, que fez as fãs entrarem no clima do espetáculo com o perfume de rosas (representando a primavera) e de musgo (inverno).

CONCEITO NOVO - Foram os americanos os primeiros a fazer do aroma um aliado, usando-o para manter os apostadores mais tempo diante das mesas de jogos nos cassinos de Las Vegas, ainda na década de 70. Chineses e japoneses também investiram na aromatização dos mais diversos tipos de ambiente e até o metrô de Paris tem sua própria marca olfativa. No Brasil, esse é um conceito novo, iniciado em meados dos anos 90 por alguns supermercados dispostos a atrair a atenção dos consumidores para áreas de pouco tráfego ou para um novo produto em oferta. Depois vieram as feiras e exposições e, há não mais de três anos, uma demanda mais significativa por parte do varejo e de promotores de eventos artísticos e culturais.

'Com produtos e serviços cada vez mais iguais depois da globalização, o comércio percebeu que precisava buscar um diferencial que mexesse com a emoção. E a criação de uma identidade olfativa cumpre esse papel', explica Valéria Werneck, sócia da Nose Around, especializada em tendências de consumo.

A rede de docerias Amor aos Pedaços foi uma das primeiras a usar a ferramenta, tendo adotado uma composição aromática criada especialmente para ela, com base de morango e chocolate. 'Já tínhamos um apelo visual forte na vitrine e aguçar o olfato só ajudou a completar o conceito de produto montado na hora e sempre fresquinho', explica Alexandre Viana, gerente de marketing. O executivo não sabe mensurar o quanto a aromatização das 42 lojas da rede alavancou as vendas, mas garante que, todos os dias, recebia comentários de consumidores satisfeitos com a novidade.

Escolher um aroma que se identifique com o negócio e, principalmente, que desperte algum tipo de sensação agradável no público da casa é um exercício que pode levar meses e, às vezes, até anos. Segundo Fernando Amaral, sócio da Aromagia, especializada no desenvolvimento de fragrâncias, a comunicação olfativa deve ser personalizada e só cumpre o seu papel quando evoca a lembrança de determinada marca ou lugar.

'Aromas clássicos, disponíveis para todo o mercado, não surtem efeito porque estão veiculados a outras referências e podem confundir o consumidor, que não saberá exatamente onde e quando sentiu aquele cheiro', explica Amaral.

Para colher bons resultados, o caminho é fazer uma análise da faixa etária, origem e hábitos do consumidor, cruzando esses dados com o conceito da marca e do produto. 'Em nenhum momento devemos esquecer que o repertório olfativo tem uma permanência na memória das pessoas maior do que o visual. A imagem fixa-se por alguns meses; o cheiro, por anos. E se apresentar algum envolvimento emocional, pelo resto da vida', afirma Caritá, lembrando que há aromas característicos de cada década (leia o quadro'Festa dos sentidos').

Dentro desse conceito, uma loja voltada a mulheres da terceira idade, por exemplo, não deve dispensar notas olfativas que lembrem pó-de-arroz ou lança-perfume. Ao mesmo tempo, é preciso refutar tudo o que possa ser associado a experiências negativas vividas pelas pessoas, como cheiro de fumaça, sangue, velório e hospital. 'A mais remota ligação com qualquer uma dessas situações pode provocar repulsa no consumidor e deitar por terra todo um trabalho de imagem da marca', alerta Caritá. Outro ponto importante é lançar a dose certa da fragrância no ambiente. Nem mais, nem menos. Independentemente do método utilizado - difusão, aspersão, ventilação, volatilização, evaporação ou nebulização -, a regra é trabalhar no limite mínimo da percepção humana, a fim de não provocar mal-estar ou sensibilização. A fragrância não pode se impregnar na pele, na roupa ou no cabelo das pessoas.

MEDIDA CERTA - Essa foi a principal preocupação de Débora Feder, dona do Nature Marketing, loja paulistana que trabalha com um mix de produtos naturais para banho, artigos de beleza e decoração. 'Já tínhamos uma mistura de cheiros muito forte, embora a área de 200 m2 ajudasse na dispersão', comenta a empresária. Há dois anos, a casa ganhou sua marca olfativa - à base de pau-rosa e plantas da Amazônia - completando o apelo visual, um dos principais responsáveis pelo fluxo de clientes. A resposta foi tão positiva que levou Débora a envasar o novo aroma e a comercializá-lo em embalagens de 100 ml. 'Os 1,5 mil frascos foram consumidos em três meses', comemora.

No hotel-spa Ponto de Luz, em Joanópolis (SP), o resultado também foi positivo. Há dois anos, a Aromagia desenvolveu uma composição olfativa personalizada à base de capim-limão, gerânio e alecrim. O aroma é espalhado em diferentes concentrações nos quartos, no lobby, nas salas de meditação e até no restaurante.

'Gastamos cerca de R$ 2 mil para desenvolver a composição exclusiva e uma média de R$ 100 mensais para a manutenção', revela Jorene Ferro, diretora-administrativa. A fragrância rapidamente se tornou a marca registrada do Ponto de Luz, que hoje vende uma média de 60 sprays e 40 frascos de óleos essenciais por mês, garantindo, além do marketing, uma fonte de renda.

Embora o interesse do consumidor pelos aromas seja evidente, ainda não há estudos que meçam exatamente a eficiência do marketing olfativo como trampolim para aquecer as vendas ou fidelizar a clientela. Uma pesquisa comportamental realizada na Alemanha, porém, sinaliza que o uso de fragrâncias personalizadas aumenta em 15,9% o tempo de permanência do cliente no ponto- de-venda, em 14,8% a probabilidade de compra e em 6% as vendas reais.

Os especialistas enfatizam, contudo, que se trata de uma ferramenta extremamente versátil. Isso porque o aroma como instrumento de marketing pode ser usado de várias maneiras e em momentos diferentes, dependendo da verba e das necessidades de cada empresa ou produto. Vale adotar uma fragrância personalizada em amostras-grátis, anúncios, embalagens, cartazes, folhetos promocionais e outdoors. Os perfumes especiais também podem chamar a atenção dos consumidores para áreas específicas do ponto-de-venda em datas comemorativas como a Páscoa e o Natal. Em ambientes fechados, como indústrias, hospitais, consultórios médicos, hotéis, aeroportos e spas, ou ainda em festas de casamento, shows e desfiles de moda, uma combinação olfativa bem afinada pode aumentar a capacidade de concentração, estimular o relaxamento, diminuir a tensão ou mesmo provocar uma certa euforia.

MAIS EM CONTA - Segundo Ricardo Robertoni, gerente geral do Grupo El Morya, especializado em marketing de relacionamento, levará pelo menos mais cinco anos para o mercado assimilar a novidade e aplicá-la com mais propriedade, colhendo efetivamente bons resultados. 'O que temos hoje são ensaios que às vezes duram apenas um mês e que são suspensos na primeira decisão de cortar custos', ressalta. Em sua opinião, é essencial que a identidade olfativa seja adotada em todos os momentos de contato com o público-alvo, a fim de ser reconhecida como uma marca, sem similares.

A boa notícia é que, ao contrário de outros tempos, quando o preço era um fator proibitivo para pequenos empreendimentos, hoje já é possível encomendar uma fragrância personalizada a partir de R$ 2 mil e aromatizar um espaço de 200 m2 gastando R$ 500. 'Em 1995 essa mesma área não saía por menos de US$ 1 mil', afirma Caritá. Por tudo isso, o marketing olfativo ainda tem muito terreno a conquistar, mas com certeza será uma ferramenta muito importante, pois os aromas falam diretamente às emoções, e elas são decisivas na hora de comprar.


FESTA DOS SENTIDOS | Resgatar sons, cheiros e formas típicas de décadas passadas ajuda a atrair o consumidor

1950
VISUAL
Topete masculino; ato de fumar.
AUDITIVO 
Rock'n'roll.
OLFATIVO 
Gumex; lança-perfume; naftalina; óleo de peroba; creolina; cera Parquetina; Varsol; pó-de-arroz; English Lavander; Seiva de Alfazema; Leite de Rosas e Cashmere Bouquet.
GUSTATIVO
Aveia; cocada; broa de milho; Coca-Cola; Diamante Negro; cigarro de chocolate Pan.

1960
VISUAL
Art-decô; hippies; Flower Power (Paz e Amor).
AUDITIVO
Bossa Nova; Pop Music.
OLFATIVO
Água sanitária; lustra-móveis Shell; cera de sapato Nugget; talco Johnson; sabonete Phebo; Acqua di Selva; Brilcrem; Fidji; Rastro.
GUSTATIVO
Bis; Seven Up; Sonho de Valsa; Chicabon; goma de mascar Ping-Pong; Ki-suco; Guaraná caçulinha; hot-dog; Grapette; doce de leite.

1970
VISUAL
Psicodelismo.
AUDITIVO
Discoteca; rock de protesto.
OLFATIVO
Pinho Sol; Brüt; Wild Musk; Charlie; Anäis Anäis; Acqua Fresca; Pinho Campos do Jordão; Opium.
GUSTATIVO
Batata frita industrializada; Danone; Yakult; hambúrguer; balas Soft.

1980
VISUAL
Punk e Yuppie.
AUDITIVO
Discoteca; Heavy Metal.
OLFATIVO
Limpadores; amoníaco; Drakkar Noir; Azzaro; Paris; Poison; Giorgio.
GUSTATIVO
Tang; Suflair; Toblerone; iogurtes flavorizados; McDonald's; Halls.

1990
VISUAL
Clubber.
AUDITIVO
Dance; Techno.
OLFATIVO
Poluição atmosférica; CK One; Polo; Kenzo; Fahrenheit; aromaterapia.
GUSTATIVO
Comida congelada; microondas; enlatados; bebidas importadas.

2000
VISUAL
Tribos; tatuagens; piercings.
AUDITIVO
Pós-techno; e-music; rap.
OLFATIVO
Essências da Amazônia.
GUSTATIVO
Barras protéicas; complementos alimentares; bebidas isotônicas; power drinks.
FONTE: CROMA MICROENCAPSULADOS.


Fonte: http://revistapegn.globo.com/

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